quarta-feira, 27 de julho de 2011

CURSO PREPARATÓRIO PARA DISCIPULADORES Lição 3: O Discipulado Cristão Atual.


Lição 3. O DISCIPULADO CRISTÃO ATUAL

         “Mas as correntes históricas substituíram o plano de Jesus por “Fazei convertidos (a uma ‘fé e prática’ específica) e batizai-os de modo a se tornarem membros da igreja.” [1]

“Pessoas verdadeiramente espirituais não se preocupam com minúcias sobre pontos doutrinários.” (Charles Parham, fundador do pentecostalismo) [2]

“Ai de vós escribas e fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.” [3]

            Após listarmos alguns fatores como a mudança do teor da mensagem evangélica atual, de lideranças mal preparadas, do novo tipo de abordagem e estratégia evangelística baseadas em métodos de marketing de mercado e uso abusivo de mídias de massa como solução final para cumprir a Grande Comissão, outro fator que pode ser acrescentado à afirmação de que o mandamento bíblico de “fazer discípulos” tem sido esquecido por grande parte da igreja evangélica brasileira, é o próprio processo de discipulado cristão atual, adotado em muitas igrejas de correntes neopentecostal e pentecostal.

            Esta abordagem de “discipulado” (se é possível ser chamado assim) difere do método bíblico de instrução pessoal do novo convertido para ajudá-lo a crescer na graça e conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, sendo substituída atualmente por um processo de “adaptação” a denominação que está aderindo. Analisando este tipo de abordagem na história de algumas denominações, vemos que existem dois tipos de base deste “processo de adaptação”: A ênfase em observar certas práticas de costume adotadas pela comunidade, relacionadas geralmente ao vestuário e ao que o membro pode e não pode fazer, ou então, baseada na crença da teologia da prosperidade e na confissão positiva, que não exige um compromisso de verdadeiro discipulado cristão, e que acaba formando uma geração de seguidores essencialmente materialistas, com uma visão incorreta, distorcida acerca de Deus, Jesus Cristo e vida cristã.

            Estes dois tipos de abordagem são perigosos, pois nenhum deles é eficaz em formar discípulos de Jesus Cristo. Formam sim, seguidores de suas denominações e de suas lideranças carismáticas. Não são bíblicos. Jamais foram usados por Cristo, pelos apóstolos ou pela igreja primitiva. Podem ser chamados de “processo humano de discipulado cristão”. É assim chamado por ser um processo inventado por homens e não ensinado por Jesus Cristo, homem, porém mestre dos mestres, o Senhor de tudo. É apenas o processo de adesão a fé e as normas de conduta da instituição, e não a verdadeira submissão ao senhorio de Cristo, conforme ensinada nas páginas das Escrituras Sagradas.

            Em conseqüência desta forma de discipulado testemunhamos a formação de cristãos espiritualmente fracos, com pouco conhecimento bíblico. Cristãos com distorcidas visões sobre vida cristã, discipulado cristão e santidade. Para muitos, ser santo, segundo a bíblia é não ter TV, não usar anticoncepcional, não usar preservativos, não usar roupas como shorts ou bermuda.[4] Já tive oportunidade de testemunhar pregações evangelísticas deste tipo pelas ruas do centro de São Paulo. São pessoas que não foram discipuladas conforme a Palavra de Deus, porém que foram entregues ao radicalismo da visão de vida cristã de uma denominação. Foram sujeitas ao processo humano de discipulado.

            Na outra extremidade deste processo humano de discipulado, vemos aqueles que são ensinados a terem sua crença em Jesus Cristo baseadas na teologia da prosperidade e na confissão positiva. São ensinadas que a fé em Jesus Cristo, a obediência ao pastor e a participação assídua dos cultos e trabalhos da igreja, a fidelidade nas contribuições como dízimos e ofertas, são o segredo para uma vida próspera e feliz, livres dos ataques do diabo e dos problemas da vida como desemprego e enfermidade. Serão sempre vitoriosos e que quando estes problemas o acometem, é sinal de pecado em suas vidas, de reprovação divina.

            Como resultado destes tipos de processo humano no discipulado cristão, vemos pessoas que se tornam discípulos, não de Jesus Cristo, mas sim de seus líderes. Sem questionar a conduta de seus pastores, muitos adeptos de suas igrejas se tornam fiéis a visão de seus líderes, que para eles são sempre pessoas dotadas de algo sobre-humano, chegando, em alguns casos a serem considerados com uma figura messiânica, que não precisa prestar contas sobre sua vida. São incentivadas a trabalhar em favor do ‘reino de Deus’ expandindo a visão e a presença de sua denominação em outros territórios. É a visão predominante do movimento neopentecostal que se faz presente em algumas igrejas consideradas históricas e pentecostais.

            Podemos fazer uma lista destacando alguns pontos comuns neste processo humano e institucional na tentativa de formar discípulos de Jesus Cristo. Neste processo o conceito de discipulado pode ser resumido na exposição do novo convertido aos seguintes pontos, sendo que nem todos listados abaixo se fazem presentes em todas as denominações, porém totalmente presentes em outras:

1.      A presença de um líder forte e carismático. Ele é considerado um “ungido do Senhor”, inquestionável, que não precisa prestar contas de sua vida, que está no topo da pirâmide da denominação;

2.      A introdução de símbolos, amuletos e campanhas de fé ao discípulo da denominação. Segundo Paulo Romeiro, a prática do movimento neopentecostal é “dinâmica e inovadora” [5]. Existe nelas a mudança constante de campanhas de fé para os seus seguidores e a introdução de símbolos que trazem a esperança de proteção e libertação de problemas e curas de enfermidades. Podem ser citados como exemplo o cálice da libertação, toalhas e rosas ungidas, campanha da “fogueira santa”, sabonetes e sal ungidos, gruta milagrosa, campanha da prosperidade, etc.;

3.      Uma nova liturgia: O discípulo sujeito ao processo humano e institucional tem a possibilidade de participar de cultos que possuem uma liturgia menos conservadora, onde pode se emocionar através das canções e das mensagens que geralmente são de auto-ajuda, positivas, que dificilmente falarão de pecado, arrependimento, compromisso cristão, vida eterna. 

4.      A carência de embasamento bíblico e teológico. Não apenas no neopentecostalismo, mas já em muitas igrejas do movimento pentecostal, o distanciamento dos ensinos bíblicos para uma vida cristã sadia no exemplo de sermos discípulos de Cristo Jesus, tendo-o como Senhor e Mestre, tem dado lugar a um “self service” de teologias que o discípulo que participa do processo humano e institucional de discipulado pode escolher para se alimentar: Além da teologia da prosperidade e da Confissão Positiva, existe também a Teologia Narrativa, Teísmo Aberto, Teologia da Esperança, Ortodoxia Generosa, Teologia Quântica, Evangelho da Auto-ajuda.[6] Não há a presença de ensinamentos fundamentais da fé cristã como justificação, fé, graça, arrependimento, porém de ensinamentos que procuram eliminar a pobreza e a doença da vida de seus adeptos, levando-os a se preocuparem mais com a vida temporal do que com a vida futura. 

 Entretanto, a falibilidade deste tipo de processo humano e institucional na intenção de formar discípulos de Jesus Cristo, na verdade tem gerado uma grande quantidade de pessoas que, como bem chamou Paulo Romeiro, são pessoas que estão ‘decepcionados com a graça’, não àquela oferecida por Jesus Cristo através do evangelho, mas decepcionadas com a ‘graça’ a que foram expostas, de um evangelho irreal que trouxe esperanças que foram frustradas. São pessoas que foram sujeitadas a prática do abuso espiritual e religioso por parte de seus pastores e líderes.

Cada vez mais casos e casos de abusos religiosos tem se tornado conhecido, trazendo abalos no meio evangélico e arranhando a imagem dos seus pastores e líderes. Marília de Camargo César, em seu livro chamado Feridos em nome de Deus[7], traz uma série destes casos de pessoas que foram vítimas de abuso espiritual. Pessoas que passaram pelo processo humano e institucional de discipulado, que na verdade não se tornaram discípulos de Cristo, mas pessoas que tem profundas feridas religiosas causadas por aqueles que deveriam cuidar e alimentar as suas vidas, pessoas que estavam emocionalmente abaladas, com sérios problemas espirituais e familiares e que foram buscar ajuda e acabaram sofrendo esta decepção no último lugar da terra que elas esperavam serem vítimas deste tipo de abuso: A igreja. 

Muitas destas pessoas perdem a fé em Deus e vêem com desconfiança qualquer um que procurar lhe falar de Deus, ou os pastores que pregam na televisão. Sofreram perdas materiais e pessoais. Casamentos desfeitos, empregos e finanças perdidas, carreiras profissionais prejudicadas podem ser listadas como algumas conseqüências na vida daqueles que sofreram abuso espiritual pelos seus líderes, em decorrência deste processo humano e institucional de formação de discípulos de Jesus Cristo.

Ricardo Gondim oferece algumas ferramentas que podem ajudar a identificar uma liderança que pode cometer abuso espiritual neste processo humano institucional na tentativa de formar discípulos:
1.       Cuidado com frases do tipo: “Você ainda não está na nossa visão”. Não aceite nada que não possa ser questionado. Se o Deus da Bíblia se deixa questionar, por que seu pastor não o permitiria? Queira entender os porquês de cada ensino. A principal heresia que ameaçou o cristianismo foi o gnosticismo, a religião que lidava com mistérios. Era mística. Isso é um risco. Não aceite um líder que diz: Isso é verdade espiritual que você ainda não tem condições de entender.
2.       Nunca aceite o milagre pelo milagre. Deus não precisa mostrar que é todo-poderoso. Deus não está em competição com os ídolos. Ele não precisa provar nada. O diabo, sim, é que precisa provar que pode alguma coisa.
3.       Saiba distinguir quem está ganhando a glória por aquele milagre. Provérbios diz: “Sejam outros os lábios do que te louvam e não os seus próprios”. Preste atenção em lideres que tem uma necessidade imensa de se autoelogiar. A bíblia diz que se vangloriar pela boca é vergonha.
4.       Perceba se o programa é mais importante que as pessoas. A prioridade é gente ou é programa? A igreja serve aos membros para ajudá-los a potencializar seus dons e talentos. Essa é a ordem correta. Quando o importante é o programa, as pessoas passam a ser peões a serviço de um programa. O pastor tem o dom de ser um facilitador dos dons das suas ovelhas.
5.       Preste atenção as propostas megalomaníacas. Frases do tipo: “Vamos ganhar o mundo”. Esse foi o problema de Salomão. Ele maculou a história de Israel porque se tornou megalomaníaco. Construiu o templo, de riqueza ímpar, mas não se contentou. Quis mais. Quis palácios. Quando Salomão morreu, o reino estava endividado, e seu filho ficou numa situação difícil. Dali, Israel rachou numa guerra civil e permaneceu rachado até o fim. Muitos líderes são assim: megalomaníacos. Querem construir o templo mais suntuoso, querem o melhor de tudo, uma gula financeira que os leva ao abuso.
6.       No culto, coloque-se sempre no lugar de uma pessoa não crente. Imagine que um professor universitário, amigo seu, ou um empresário vai visitar o culto da sua igreja. Como ele vai sair de lá? Achando que é um bando de malucos? Como é que ele entende aquilo que está sendo feito ali?
7.       Fique atento aos sinais. Sinais de ostentação e vaidade, de riqueza e mudanças comportamentais do líder à medida que o seu ministério se expande e que sua reputação vai crescendo. Como ele ficou? Virou uma cara pedante, afetado? Repare nos sinais exteriores de riqueza.
8.       Você tem medo de seu pastor? Tem medo de que ele possa orar e sua vida ser prejudicada? Se seu pastor lhe causa medo, certamente não é um servo de Jesus Cristo. Porque o perfeito amor lança fora todo o medo. As relações que estabelecemos têm de ser de amizade, de afeto, de solidariedade.
9.       O pastor se comporta com cinismo diante das aflições humanas? O cinismo de alguém que não conhece as mazelas humanas, que não lida com a necessidade do outro, que não sabe o que é empatia? É daqueles que falam “Deus vai fazer maravilhas em sua vida”, mas não levam em conta as condições socioeconômicas, a dor humana, as carências sociais, as enfermidades incuráveis?Ele sabe trabalhar pastoralmente com o pai de uma criança que apresenta uma síndrome genética incurável/
10.    Observe se ele ama as riquezas. O amor ao dinheiro é verdadeiramente a raiz de todos os males.[8]
Estes itens listados acima por Gondim podem ser vistos presentes em grande parte da liderança das igrejas evangélicas brasileiras pentecostais e neopentecostais. Pode-se dizer que é o perfil de grande parte dos “discipuladores” que criaram este processo humano e institucional de discipulado cristão, presente hoje no movimento evangélico brasileiro, na igreja moderna. Um retorno aos princípios bíblicos do discipulado, que é o objetivo principal da Grande Comissão, por parte do protestantismo brasileiro é vital para, de fato ser realizada a ordenança de “fazer discípulos” em nosso país, ajudando assim no cumprimento da Grande Comissão para todas as nações. 

Porém, uma pergunta logo se faz necessária de ter uma resposta clara e objetiva, e ao mesmo tempo prática para podermos buscar um caminho a ser seguido: O que de fato é a Grande Comissão? Como ela deve ser executada pela igreja? Para respondermos a estas e outras perguntas que sempre surgem quando relacionadas ao tema, é necessário realizarmos uma análise a respeito do que a Escritura Sagrada ensina através dos textos relacionados à Grande Comissão.

Ev. Alan G. de Sá


[1] WILLARD, Dallas. A grande omissão: as dramáticas conseqüências de se tornar cristão sem se tornar discípulo. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p.19.
[2] NAÑEZ, Rick. Pentecostal de coração e mente: um chamado ao dom divino do intelecto. São Paulo: Editora Vida, 2007, p.259.
[3] Mateus 23.15. (ARC).
[4]ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p.44.
[5] Idem, p.71.
[6]STEFANO, Marcos. Que avivamento é esse? Artigo da revista Eclésia, ano 11-número 125, p.34.
[7] CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.
[8] CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, p.78.

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